O Estado, o povo e a soberania

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo analisar o povo em suas diversas acepções.

É importante estabelecer, outrossim, as definições de Estado, Nação, População, Povo e Soberania.

Almeja-se fazer sucinta menção, bem como harmonizar os aspectos subjetivos e objetivo, através dos quais se busca definir o que seja povo.

Será empreendida uma abordagem acerca do que é chamado por Canotilho de "Justiça da Constituição", idéia que está relacionada ao procedimento utilizado para a sua elaboração, o qual deverá ser justo para que a Constituição também assim o seja.

Por derradeiro, será objeto do presente trabalho a perquirição sobre quem detém a titularidade e quem exerce a Soberania.

Far-se-á, outrossim, sucinta abordagem acerca da questão referente à proximidade ou não entre a Constituição Normativa e a realidade constitucional brasileira.


CAPÍTULO 1 – O ESTADO

1.1 - A ORIGEM DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO ESTADO

Como se sabe, a natureza jurídica do Estado é, obviamente, de pessoa jurídica de direito público.

Lobriga-se que a aludida concepção de Estado teve origem nos contratualistas, os quais estabeleceram a idéia de coletividade ou povo como uma unidade.

A explicação acerca da atribuição de personalidade jurídica ao Estado se subdivide entre as Teorias Ficcionistas e as Realistas, sendo certo que as primeiras buscam conceber o Estado como uma ficção, por razões utilitárias, objetivando-se, pois, tão só conferir-lhe capacidade.

Entende Savigny [01] que a atribuição de personalidade ao Estado seria uma ficção em razão de os sujeitos de direitos serem apenas aqueles dotados de consciência e vontade.

Já os Realistas têm uma concepção científica de Estado.

Entende Georg Jellinek [02], adepto da concepção Realista, que sujeito, sob a ótica jurídica, é uma verdadeira capacidade, cuja gênese se encontra na ordem jurídica, sendo o homem um pressuposto da capacidade jurídica, porquanto o direito se consubstancia em uma relação existente entre seres humanos.

Portanto, não há, para ele, qualquer óbice em ser atribuída a qualidade de sujeito de direito à unidade coletiva em que se consubstancia o Estado.

É curial destacar, ainda, que, segundo o citado doutrinador:

Se o Estado é uma unidade coletiva, uma associação, e esta unidade não é uma ficção, mas uma forma necessária de síntese de nossa consciência que, como todos os fatos desta, forma a base de nossas instituições, então tais unidades coletivas não são menos capazes de adquirir subjetividade jurídica que os indivíduos humanos. (GEORG JELLINEK,2002, p.379).

1.2 – CONCEITO DE NAÇÃO E DISTINÇÃO DE ESTADO

O termo nação possui um forte conteúdo emocional e teve origem no momento em que os povos europeus almejavam a formação de unidades políticas dotadas de solidez e estabilidade, possibilitando a cessação do constante estado de guerra que vigia.

De fato, o artifício de se empregar o termo Nação, que deflagra reações emocionais no povo, objetivava afastar do poder os monarcas, responsáveis diretos pelas guerras intermináveis e, por outro lado, possibilitar que a burguesia conquistasse o poder político.

Contudo, não há qualquer significação jurídica possível para a expressão em análise, porquanto não noticia a existência de um qualquer vínculo jurídico entre os seus membros.

Ferdinad Tönies [03] diferencia Estado e Nação no sentido de que aquele estaria associado à idéia de sociedade, tendo, pois, as seguintes peculiaridades: surgimento por atos de vontade; a busca de um objetivo; o fato de os seus membros se ligarem através de um vínculo jurídico e o poder social ser reconhecido pela ordem jurídica.

A Nação estaria, ao contrário, relacionada à idéia de comunidade, cujas características assim se delineam: existência independente da vontade; inexistência de objetivo (há somente um sentimento de preservação); ausência de vínculos jurídicos (existência só de sentimentos comuns) e inexistência de poder.

Aduz-se, por derradeiro, que no século XVIII usou-se, de forma imprecisa, o termo Nação para designar o povo, isto na tentativa de expressá-lo como uma unidade homogênea.

Enfim, estabelecidas as distinções necessárias entre Estado e Nação não há, pois, como confundi-los.

1.3 – A SOBERANIA

A soberania, segundo Jellinek [04], traz em sua origem uma concepção política, tendo sido atribuída somente mais tarde uma conotação jurídica.

Aduz-se que a soberania é, sem dúvida, a base da idéia de Estado Moderno.

Aristóteles caracterizava a cidade - Estado em razão de a mesma ser dotada de autarquia, ou seja, ter aptidão para atender as suas próprias necessidades, o que não se aproximava, contudo, do conceito de soberania.

Não havia na Antiguidade o ambiente propício para o desenvolvimento do conceito de soberania pelo fato de não existir ainda o antagonismo do poder do Estado a outros poderes.

No fim da Idade Média o monarca detinha supremacia, não sofrendo o seu poder qualquer limitação, sendo tal momento propício, então, para o desenvolvimento teórico do conceito de soberania.

Jean Bodin é considerado por muitos como o primeiro teórico a desenvolver o conceito de soberania, em 1576, através de sua obra intitulada Les Six Livres de la République.

Ele a define, pois, como um poder absoluto e perpétuo de uma República.

É relevante destacar, porém, que a primeira utilização da palavra soberania remonta à "Carta de Libertação dos Burgos Europeus", os quais se libertaram do jugo dos senhores da terra. [05], sendo certo que à Bodin se deve a popularização de tal termo.

Rosseau é considerado o teórico responsável pela transferência da titularidade da soberania do monarca para o povo.

Divergem os teóricos quanto ao fato de ser a soberania um poder do Estado ou uma sua qualidade, sendo certo asseverar, contudo, que a noção de soberania está associada à idéia de poder.

Distingue-se a soberania como um poder político, que, sob este aspecto, tem a característica de um poder de fato, incontrastável, absoluto, de uma concepção jurídica, consubstanciada esta em um poder de decidir sobre a regra jurídica aplicável por determinado Estado.

É relevante destacar, ainda, quanto à titularidade da soberania, que existem duas teorias básicas, quais sejam, as Teorias Teocráticas, segundo as quais todo poder vem de Deus e que, em última análise, o titular da soberania é a pessoa do monarca, uma vez que Deus teria concedido o seu poder a este e as Teorias Democráticas, segundo as quais, a soberania teria origem no povo, passando a referida teoria por três fases distintas: na 1ª surge como titular da soberania o povo, não sendo, todavia, integrante do Estado; na 2ª a titularidade é atribuída à Nação e na última fase afirma-se que o titular da soberania é o Estado, levando em consideração que o povo participa da formação da vontade daquele, restando preservado, pois, o fundamento democrático desta afirmação teórica.

Assinala Fábio Konder Comparato [06], que: "A primeira utilização conseqüente do conceito de povo como titular da soberania democrática, nos tempos modernos, aparece com os norte-americanos.".

Para ele, a inexistência na sociedade norte-americana de uma fragmentação consubstanciada em classes sociais, propiciava mais facilmente a aceitação do povo como titular da soberania.

Hodiernamente a soberania está, indubitavelmente, relativizada, estando mitigada, portanto, aquela concepção segundo a qual seria ela um poder absoluto.

Vale destacar, nessa linha de raciocínio, que, após o advento da Emenda Constitucional nº 45, os atos internacionais relativos a direitos humanos passaram a ser reconhecidos como normas de status constitucional, desde que observado o processo legislativo para a elaboração da espécie normativa Emenda Constitucional.

Por fim, aduz o Professor Rogério Bento que a Soberania ainda se afigura útil atualmente, especialmente com o escopo de servir como um instrumento civilizador [07].


CAPÍTULO 2 – O POVO

2.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O uso indiscriminado da expressão povo, bem como a carga emocional que a impregna costuma provocar uma distorção de seu sentido.

É unânime a necessidade do povo como elemento para a constituição e existência do Estado, sendo certo afirmar, por isso mesmo, que não é possível a existência do Estado sem ele, notadamente porque, em última análise, é para ele que o Estado se forma.

Na Grécia antiga o povo era entendido como o membro ativo da sociedade política, ou seja, os cidadãos dotados de direitos políticos.

Em Roma deu-se à expressão povo, inicialmente, a conotação idêntica àquela da Grécia, mas, posteriormente, conferiu-se a mesma um elastério de seu significado com o escopo de designar o Estado Romano.

Estava, portanto, sendo delineada, nessa época, a significação jurídica próxima a que é dada hoje, uma vez que aos cidadãos eram atribuídos direitos públicos.

Com o advento da revolução do século XVIII, momento em que a burguesia estava em plena ascensão, os textos constitucionais passaram a designar povo livre de qualquer noção de classe, almejando-se implementar a igualdade e, por outro lado, eliminar a discriminação então vigente, notadamente através da implementação do princípio do sufrágio universal.

Iniciou-se, doravante, em âmbito doutrinário, o anseio de promover a plena extensão da cidadania.

Para tanto, foi de curial importância a contribuição da doutrina alemã do século XIX, especialmente a dogmática dos direitos públicos subjetivos, tendo Georg Jellinek [08], em meados do ano 1900, lançado uma obra que delineou a noção jurídica de povo, bem como disciplinou a sua participação jurídica no Estado.

Ressalta-se que a Teoria delineada por Rousseau é de fundamental importância para que seja estabelecida a distinção entre povo sob a ótica de sujeito em contraposição à idéia de povo como objeto.

2.2 – DISTINÇÕES DE POPULAÇÃO

Não há como ser confundido o conceito de povo com o de população, uma vez que este designa uma mera expressão numérica, demográfica ou econômica, a qual compreende o conjunto de pessoas que vivem no território de um Estado ou que estejam temporariamente nele.

Portanto, não basta que uma pessoa esteja no território de um determinado Estado para se subsumir na condição de povo, eis que é imprescindível, para tanto, que haja um vínculo jurídico especial entre esta pessoa e o Estado.


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